- ZHANGYE
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As Montanhas Coloridas que não são no Perú, um Louvre natural em pleno deserto e uma etnia Uyghur que vem do Tibete mas podia ser da Mongólia. 1001 razões para Zhangye ser paragem obrigatória!
KAOSHAN TENT
24h a viajar de Xiahe até Linze: primeiro, o autocarro de Xiahe até Lanzhou, seguido de uma batalha de taxis do terminal rodoviário até à estação dos comboios, onde às 21h30 entrei no comboio que me levava finalmente até Linze, a estação mais próxima do parque natural de Zhangye (que não é na estação de Zhangye, como muitos pensam!). Aqui, tinha o motorista do alojamento à minha espera, para mais 40minutos de carro até chegar. Ufaaaa…!
Quando cheguei ao alojamento, fui muito bem recebida pelo jovem recepcionista. A app WeChat é mesmo a salvação aqui na China, pois permite-nos comunicar na nossa língua, e aquilo traduz mutuamente, fazendo com que possamos comunicar com menos barreiras linguísticas. Apesar da hora indecente a que cheguei, deixaram-me fazer logo check-in.
Eu escolhi ficar nas KaoShan Tents, por ser mesmo mesmo mesmo do lado das montanhas coloridas do Danxia Natural Park. E não fui enganada! Gers absolutamente imaculadas, com vários lavatórios espalhados (e com água quente), balneários com água quente e inclusivé uma espécie de frigorificos, como os dos vinhos, para guardar toalhas e chinelos quentinhos (!!!). Dentro da ger, um aquecedor a óleo mantém a temperatura agradável, e o clássico colchão eléctrico deixa a cama sempre quentinha.
Mal faço o check-in e o sol começa a nascer e WOWWWWW, as expectativas não falham! as gers, a montanha, a luz, tudo é incrível nesse abençoado principio de estadia!
Aproveito que tenho duas manhãs para ver o por-do-sol (além desta), e descanso um pouco: de tarde quero explorar o Parque Natural de Bing Gou!
BINGGOU DANXIA LANDFORMS
Confesso que tinha grandes expectativas de visitar o BingGou, pois já me tinham mostrado grandes fotos do local. Mas há uma lacuna enorme nos acessos:
- De bicicleta demorava um pouco, e cobravam-me uma fortuna no alojamento. Além disso, está um calor abrasador: mais de 35ºC, e todos nós sabemos que não sou muito dada ao calor, né!!
- A outra hipótese seria caminhar até ao cruzamento, e esperar pelo autocarro, que passa “mais ou menos a cada hora, mas não é certo”, tanto para lá como para cá.
- Por fim, podia contratar novamente o motorista, que foi a opção que acabei por escolher, porque apesar de ser mais caro, era a mais flexível.
Assim, o motorista acabou por ser o próprio gerente do alojamento. Um pouco depois da hora marcada (estes chineses nunca andam a horas!), apareceu com o carro mesmo ao lado da minha ger, com o motor já ligado e o A/C no máximo, tudo climatizado lá dentro. Ofereceu-me três águas geladas – ele sabe que a caminhada do dia vai ser longa, e aquelas águas vão ser precisas!! E já de caminho deu-me os bilhetes que ele comprou antecipadamente, e começou a enviar-me inúmeras mensagens no WeChat a explicar coisas do local, melhor forma de visitar, e disponibilizou-se para o contactar caso tivesse qualquer dúvida. Ok, o valor do motorista já compensou por completo!
Ao chegarmos, ele acompanhou-me à porta, e mostrou-me no mapa a melhor forma de navegar pelo parque. Agradeço, e lá vou eu.
Como na maior parte dos parques da China, a mobilidade dentro dos parques naturais é feita através de um sistema de autocarros eléctricos que nos levam entre os pontos de exploração. E não demoro muito até perceber que sou a única pessoa dentro do parque! É verdade, um dos sítios mais bonitos da China, mas talvez pela falta de divulgação aliada à falta de transportes, este local é imaculadamente só! Melhor para mim.
Demoro umas boas 3h a explorar todo o parque, que tem paisagens tão incríveis que não consigo, no meu português limitado para tamanha espectaculariedade, encontrar equivalente! Sim, é estrondoso a esse ponto, fico toda trocada das sílabas. E claro, como estamos na China, os quadros informativos têm imagens de algumas das formações mais peculiares, com nomes curiosos. Algumas formações relembram camelos que nos recebem, homens em plenas transações nos tempos da Rota da Seda, mulheres que se despedem dos maridos (3ª foto abaixo), mas até o Louvre aqui está representado (1ª foto abaixo). Os caminhos estão bem marcados, há wifi por todo o parque, casas-de-banho, música, enfim, tudo top!
A única coisa que não se explica é como é que um sitio destes se encontra vazio…
YUGURS: O REINO PERDIDO DE GANZHOU KHANATE
Terminada a minha visita – que só terminou, porque o parque ia fechar e os seguranças me andavam a perseguir – contactei o motorista para me vir buscar. E quando ele chegou, trazia mais águas fresquinhas!
No caminho de regresso, ele disse que me iria levar por um caminho alternativo, ao que concordei – já que pago mais, que valha a pena por isso! Ele sai da estrada principal, e vai por uma rota rural, onde conduzimos por pequenas casas de trabalhadores locais. Todas iguais, com padrões pintados por fora com a “cultura popular Chinesa”. Todos iguais.
E ele vai começando a escrever… Percebo que ele escreve algo que não é suposto, mas é coisa que já me fui habituando a ver nos olhares dos locais, que querem falar mas não podem. Diz-me que a zona era habitada por nómadas – os Yugur. Eu pergunto se são os Uyghur, e ele nega, e escreve: YUGUR. Nunca ouvi falar! Pergunto-lhe se ele é Yugur, mas ele sorri, acena a cabeça negativamente, e prossegue.
Os Yugur era uma etnia que habitava esta zona até à Revolução Cultural Chinesa. Um reino chamado Ganzhou Khanate, falavam Yaohu’er, uma forma antiquada de Uyghur ou Mongol, já completamente perdida. Religiosamente, praticam budismo-tibetano e xamanismo. Viveram como nómadas aqui no corredor de Hexi desde o ano 894 d.C. até à Revolução Chinesa. Os últimos acabaram por se mudar desde 1990, ano em que a China contemporânea introduziu uma nova lei que proíbe os nómadas de viverem como tal, por razões ditas de protecção ambiental, oferendo-lhes dinheiro para se fixarem permanentemente nas cidades.
Estatisticamente diz-se que ainda existem, em pequeno número (pouco mais de 10000), e que vivem exilados no topo das montanhas de Qilian – são ainda reconhecidos como uma das 56 minorias étnicas que compõem a China contemporânea. Os Yugur sempre viveram pacificamente no seu cantinho, e cá pelos nossos lados foram documentados pela primeira vez durante a grande expedição de Mannerheim. Aquele que viria um dia a ser Presidente da Finlândia, estava então de serviço como espião para o Tsar Nicolas II, da Rússia. Disfarçado como líder de um projecto de levantamento etnográfico da região, viajou a cavalo os longos 14.000kms que separam São Petersburgo até Pequim, descendo o Volga, cruzando o Cáspio, enfrentando o Taklamakan. Na China Mannerheim tinha um nome mandarim: 马达汉 (Ma Dahan), ou “o cavalo que salta entre as nuvens”. Sob esse nome ele encontrou as tribos dos Yugur e conviveu com eles como nenhum ocidental tinha vivido até então.
Voltando à viagem do carro, sou conduzida até uns montes com umas pequenas ruínas de fornaças – estas eram as fornaças que os Yugur usavam para metalúrgica, para talharem as famosas facas e joalharias. Tudo abandonado desde a Revolução Chinesa.
ZHANGYE COLOURFUL DANXIA – MONTANHAS COLORIDAS
Último dia em Zhangye, e deixei o melhor para o fim – acho?!
A grande vantagem de estar alojada ao lado de uma das entradas do parque é sem dúvida poder entrar antes do sol nascer. E assim foi, no último dia, lá acordei às 5h, e arrastei-me do meu colchão eléctrico aquecido e fui pelo escuro das temperaturas menos convidativas até à porta do parque das montanhas coloridas de Zhangye.
Como queria fazer render o dinheiro investido, claro que pesquisei muito sobre onde tirar a melhor foto e a que horas, e a extensa pesquisa online concluía que a hora-mágica era melhor vista da plataforma 4, e era esse número que – depois de um pequeno-almoço miserável – eu repetia incessantemente na minha cabeça para não me esquecer.
Quando chego ao parque, deparo-me com uma questão básica que a minha já vasta experiência de viagens pela China me devia ter relembrado: os shuttle buses. Entro a horas, mas tenho que esperar 20 minutos pelo próximo, que consequentemente eles ainda esperam que encha mais. Começo a ficar (muito) impaciente, e ao fim de esperarmos uns 30 minutos, o motorista lá decide avançar, mesmo indo só eu mais um passageiro. O sol já começa a querer espreitar lá ao fundo, mas ainda há esperança. Uma esperança que se desvanece ao fim de poucos metros: o autocarro para e expulsa-nos. Plataforma 1. Como não podemos dar várias voltas no parque, supostamente temos que sair em todas, ver a zona, e embarcar de novo. O mundo desaba-me: eu quero ver a plataforma 4. Ele obriga-me a sair da 1. Lá saio a bufar e enfurecida subo o monte a correr, disparo meia dúzia de fotos completamente obrigada, e corro de volta para baixo. Há um shuttle que está a chegar, e eu começo a correr atabalhoadamente por ali abaixo, a acenar que nem uma louca, para esperarem por mim. O autocarro pára, e eu penso que estou safa, tão safa! Plataforma 4, aqui vou eu!!! Entro no autocarro com os “ché-chés” todos (“ché-ché significa obrigado, em mandarim), agradecida por esperarem por mim. Mas o motorista olha para mim com um ar de total desaprovação e corre comigo: acontece que eu entrei disparada numa zona de desembarque, apenas. Tenho que ir para a outra fila, e esperar outros 20 minutos.
Conformei-me.
Não há nascer do sol para ninguém, e acordei às 5h “para nada”, por isso mais vale apanhar a onda e fazer as coisas com mais calma agora. O parque é lindo, sim, mas em nada se compara ao de BingGou. Esse sim, é espectacular! As montanhas coloridas são lindíssimas, mas algo já expectante, eu diria. As formações em BingGou são como nunca vi na vida, tira-nos as palavras da boca mesmo. No fundo ambos os parques valem a pena, e gostaria de ver, no futuro, uma espécie de bilhete combinado, e shuttle buses que fizessem a ligação entre ambos.
E o alojamento é sem dúvida uma mais valia: à noite, por volta das 21h, eles até iluminam as montanhas com leds coloridos, num arco-íris nocturno. Cheesy, sim, mas são só 5 minutos por noite, e não deixa de ser uma visão diferente. Uma homenagem à natureza, de forma não disruptiva.
A noite chega cedo, pois ninguém merece acordar às 5h para um dia tão activo. E a minha partida é cedo também. Amanhã, rumo a Jiayuguan.